terça-feira, 23 de março de 2010

“Que tipo de individuo você, como parte de uma sociedade, deseja que retorne de uma penitenciária”. Esta escolha pode mudar o rumo da nossa sociedade!



Esta escolha pode mudar o rumo da nossa sociedade!

“O imortal MONTESQUIEU apenas ocasionalmente pode abordar essas importantes questões. Se eu me encaminhei pelas pegadas luminosas desse grande homem, diz Cesare Beccaria, é porque a verdade é uma e a mesma em toda a parte. Contudo, os que sabem pensar – é apenas para esses que escrevo – saberão diferençar os meus passos dos seus. Serei feliz se puder provocar alguma vez esse frêmito através do qual as almas sensíveis respondem à voz dos defensores da humanidade!”

Queremos um cidadão ressocializado capaz de conviver e de respeitar ou alguém sem chances, sem sonhos, sem vida, sem nada?

Quando alguém é preso, julgado e condenado à sociedade sente-se aliviada, pois acredita que será privada do convívio com um individuo maléfico, a ela, entretanto, se esquece que um dia essa pessoa será livre novamente, e eis que surge o nosso questionamento:

Que tipo de individuo a sociedade deseja que retorne?

A resposta dada por ela determinará o seu posicionamento perante o atual sistema penitenciário brasileiro.

È verdade que a pena, na sua origem, nada mais foi que um ato de punir sem qualquer preocupação de recuperar. Posteriormente, passou a ser um ato de vingança e sofrimento dada a desproporcionalidade entre o mal feito e a pena recebida. Aliás, mesmo hoje, apesar das discussões travadas, cada um procura destacar o que existe de certo ou errado no direito de punir.

- Seria a pena um castigo que se impõe a um criminoso?
- Seria um ato de defesa social?
- Ou teria um papel de prevenção geral e especial visando à recuperação do condenado?

Mas no nosso meio não é isso que predomina, e sim as prisões, como meio de punir e reprimir o condenado.

Os problemas dos apenados não estarão resolvidos com a liberdade alcançada, mas apenas começando, pois enquanto estiveram presos, foram abandonados, constituídos em sub-brasileiro, porque não foram educados para serem cidadãos.

As prisões brasileiras não promovem nada além da degradação do individuo, tornando-o insensível e violento. Vivendo em situações sub-humanas,celas superlotadas, perda da privacidade, promiscuidade sexual, agressões, humilhações, ociosidade, abandono, ocorrendo atrocidades dentro das instituições, como enforcamentos e esquartejamentos.

Deseja-se com a pena restritiva da liberdade punir o deliquente.

Espera-se, que seu retorno seja dócil e útil, como muito bem alertou Michel Foucault e sua obra Vigiar e Punir.

Um sistema carcerário violento, certamente devolverá a sociedade tudo aquilo que passaram atrás das grades.

Como acrescenta Astor Guimarães Dias:

“E quando os gonzos do portão penitenciário giram, para restituir à vida social aquele que é tido como regenerado, o que em verdade sucede, é que sai da prisão o rebotalho de um homem, o fantasma de uma existência, que vai arrastar, para o resto de seus dias, as cadeias pesadas das enfermidades que adquiriu na enxovia, nessa enxovia para onde foi mandado para se corrigir e onde, ao invés disso, adestrou-se na delinqüência, encheu a alma de ódio e perverteu-se sexualmente.”

O objetivo da prisão é recuperação e não degradação.

Estabelece o artigo 38 do CPB que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito a sua integridade física e moral.

A Constituição Federal consagra que aos presos é assegurado o direito à integridade física e moral (art. 5º. XLIX). Assim, para assegurar tal proteção, o legislador tipificou como crime de tortura submeter “pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não prevista em lei ou não resultante de medida legal” (art. 1º. Parágrafo 1º. da Lei nº. 9.455/97).
O artigo 5º. III, CF assegura que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

O Brasil é 4º lugar mundial em número de presos.

Há uma falência no sistema carcerário brasileiro na parte educacional, por isso se tornou “uma fábrica de monstros”.

A situação das prisões brasileiras já é comparada as piores da América do Sul, como as do Paraguai e Bolívia. Em relação a outras aberrações mundiais, as prisões brasileiras assemelham-se ás de países como Camarões e Burundi, na África.

Segundo as estatísticas, 80% em todo Brasil, voltam a delinqüir, ou seja, somente 20% dos detentos resistem e não voltam ao crime.

O criminoso não pode ser condenado à marginalidade perpétua, esquecido atrás das grades, ocioso até o fim da sua pena e rejeitado pela sociedade para sempre.

Nelson Hungria, em 1955 ressaltava:
“Os estabelecimentos da atualidade não passam de monumentos de estupidez. Para reajustar homens à vida social invertem os processos lógicos de socialização; impõem silêncio ao único animal que fala; obrigam as regras que eliminam qualquer esforço de reconstrução moral para a vida livre do amanhã, induzem a um passivismo hipócrita pelo medo do castigo disciplinar, ao invés de remodelar caracteres ao influxo de nobres e elevados motivos; aviltam e desfibram, ao invés de incutirem o espírito de hombridade, o sentimento de amor-próprio; pretendem, paradoxalmente, preparar para a liberdade mediante um sistema de cativeiro”.

No Japão, por exemplo, menos de 6% das penas aplicadas são de privação da liberdade e na Alemanha, onde 80% das infrações são sancionadas com multas ou penas restritivas de direito.

A Resolução 1990/20 do Conselho Econômico e social das Nações Unidas enfatiza que “a educação nas prisões deve visar ao desenvolvimento da pessoa como um todo, tendo em mente a história social, econômica e cultural do preso”.

Apesar das determinações legais, os estabelecimentos penais do país não oferecem oportunidade de trabalho, suficientes para todos os presos.

O foco da Lei de Execução Penal, adotada em 1984, não é a punição, mas, ao invés disso, a “ressocialização das pessoas condenadas”.

O objetivo da Execução Penal está diretamente ligado à finalidade da pena. E qual é a finalidade da pena? Este é um questionamento muito comum.

Existem várias teorias que procuram atender a tal perquirição, das quais se destacam as que pregam o caráter utilitário da pena, sendo ela uma forma de prevenção geral (com relação a todos) ou especial (relacionando-se ao condenado) e, ainda, uma oportunidade de educar e corrigir o criminoso.

Para o Prof. Júlio Fabrini Mirabete, “a tendência moderna é a de que a execução da pena deve estar programada de molde a corresponder à idéia de humanizar, além de punir. Deve afastar-se a pretensão de reduzir o cumprimento da pena a um processo de transformação científica do criminoso em não criminoso”. (Júlio Fabrini Mirabete. Executivo Penal. Comentários à Lei 7.210 de 11-07-84. P-40)

Essa idéia de humanização da execução da pena consiste em medidas como: permissão de saída, trabalho externo, regimes abertos, etc.

Cesare Beccaria, lembrado, por nós, como o pai da Teoria Criminal Clássica, em sua obra “Dos Delitos e das Penas”, dedica um capítulo de sua obra à exposição de que em relação a certos crimes, aqueles considerados de pequeno potencial lesivo, deveria haver a aplicação de penas alternativas à pena de prisão como, por exemplo, as multas e os serviços prestados á sociedade.

Dos elementos excluidores da cidadania está o preconceito no que tange à recuperação de um apenado ou um egresso do sistema penal e isto amplia o abismo entre os amparados pela sociedade e os marginalizados pela mesma. Muito pouco tem sido feito para atacar a causa desta verdadeira mutilação sócio-cultural.

No nosso Estado Democrático de Direito, o fundamento é a cidadania e a dignidade da pessoa humana (Art. 5º. XLIX, CF).

A sociedade deve assumir a sua parte no tratamento do apenado. A ela é incumbida a justiça social. Por ela somos todos responsáveis, cada um no exercício de suas possibilidades, pela realização de estruturas sociais com níveis de vida compatíveis com sua dignidade. A justiça social representa a exigência concreta de respeito a personalidade de cada homem e de todos os homens.

O sistema punitivo necessita de uma reorganização. As penas alternativas têm que ser colocadas em prática.

A Lei assegura os direitos do preso, mas tais dispositivos legais são esquecidos, visto que o tratamento dispensado aos detentos é desumano, uma degradação e o respeito à dignidade humana, são deixados em último plano.

Deve-se tirar o preso da ociosidade, reeduca-lo, ensinando-lhe um ofício, para inseri-lo na sociedade e para prevenir a reincidência.

“Que tipo de individuo você, como parte de uma sociedade, deseja que retorne de uma penitenciária”.

Esta escolha pode mudar o rumo da nossa sociedade!

HERMÍNIA AZOURY, Juíza de Direito da Comarca da Serra-ES – Juizado Especial Criminal.

KATHIA MATTOS, Advogada, Graduada pela Universidade Federal do ES (UFES) e Pós-Graduada em Direito Publico pela Faculdade Metodista de Vitória-ES.

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