sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Com R$ 2 ao mês, favela vira conjunto habitacional

Guardar um ou dois reais por mês pode parecer despropositado. Mas a pequena quantia representou para 600 famílias a diferença entre morar em barracos de uma favela e habitar apartamentos de dois dormitórios. Por trás da mudança está o fortalecimento de uma comunidade – que aprendeu com o auxílio de uma ONG a se organizar politicamente.

O operador de empilhadeiras Alexandro Moraes da Silva se lembra de quando ele e sua mulher, grávida de oito meses, foram removidos pela prefeitura de Osasco para a Favela dos Portais, em 2002. “Mandaram a gente para um lugar no meio da mata. Nós fomos praticamente escondidos aqui”, afirma. Durante a mudança, a Secretaria de Habitação disse que a área havia sido alugada por seis meses – depois as famílias seriam enviadas para outros locais. Mas Érika, a filha de Alex, aprendeu a andar, falar e brincar nas ruelas da favela, sem que nada houvesse acontecido.

Em 2005, Alex ouviu sua vizinha, a dona de casa Jailza Sobraes da Silva, falar de uma ONG que ajudaria a comunidade a se organizar para fazer cobranças ao Poder Público. Sob olhares desconfiados, em uma reunião que, segundo Jailza, aconteceu “bem no meio da rua”, foi explicada a proposta dos membros da Rede Interação, ligada ao grupo internacional Slum/Shack Dwellers International (SDI), que no Brasil atua em Várzea Grande Paulista, Taboão, Sorocaba, Santos, Recife e Olinda.

Segundo o psicólogo Altemir Antonio Almeida, um dos fundadores da entidade, o primeiro passo em Osasco foi criar uma poupança comunitária. Administrado por três moradores da favela, o fundo tem uma conta no banco, e, para sacar o dinheiro, o trio precisa estar presente. Cada família contribui com a quantia que consegue, e quem quiser sacar seu dinheiro pode fazê-lo sem punições.

Aos poucos, Alex percebeu que os participantes da poupança aumentavam suas redes de contato dentro da favela – e também na prefeitura. “Quando vi o pessoal participando de reuniões com a Secretaria de Habitação e usando o dinheiro como contrapartida para mudanças no bairro, eu quis entrar”, diz Alex, que hoje é um dos tesoureiros e atua no intercâmbio da ONG em outras comunidades.

Com a poupança consolidada, os moradores fizeram um levantamento sobre os habitantes da comunidade. “Quando o pessoal do IBGE vem fazer o censo, costuma passar apenas durante o dia, por medo de entrar na favela à noite, e não fala com todo mundo. Já a gente sabia quando e onde encontrar as pessoas”, diz a feirante Marlene Salustiano da Silva. Os dados coletados foram reconhecidos pela prefeitura e serviram de base para negociar a construção de um conjunto habitacional adaptado às necessidades daquela população.

Hoje, as obras quase finalizadas ocupam o lugar da favela – e a poupança é fundamental para as famílias. As moradias serão entregues sem acabamento, e cada um terá de arcar com esses gastos, além de despesas até então inéditas, como contas de luz, água e as prestações dos imóveis. “Vemos muitos conjuntos habitacionais deteriorados, porque, sem manutenção, a coisa vira uma favela vertical”, afirma Alex. Ao mostrar o local onde em breve irá morar, ele se lembra de quando chegou à região. “Eu achava que, para conseguir moradias como essas, o presidente teria de passar de avião, olhar pela janela e falar ‘vou urbanizar bem ali’. Agora, eu sei que não é assim.”
Fonte: Revista Época

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