domingo, 1 de agosto de 2010

Crônica - Quem matou Rafael?

Por Elisa Lucinda

Sei da morte do filho da minha querida Cissa Guimarães. Meu coração começa a doer como se fosse o dela, como se a gente fosse parente, e quase como se fosse menino meu, embora nada chegue aos pés da dor dela. Claro que morrem milhares de jovens nesse país a toda hora, nem ficamos sabendo da prematura e anônima notícia, e é por isso que dirão que só nos comovemos com essa perda porque é filho de artista. Ora, é e não é.

Essa atenção se dá não só porque temos acesso ao fato, porque sai no jornal, mas principalmente porque o artista nos representa. Cissa simboliza alguns signos: força feminina, independência, modernidade, informalidade, honestidade, responsabilidade materna; sem contar seu carisma e sorriso, que fazem dela uma espécie de gente da nossa família. Dói na gente porque representa nossos filhos e os filhos de quem não sai no jornal. O menino dela é menino nosso. Tenho em minha mente a imagem dela lendo meu poema “Chupetas, punhetas, guitarras” no espetáculo “O Semelhante”. Adora esse poema e, como minha convidada, chorava lágrimas sinceras ao dizer os versos: “meus filhos..., afirmo que quero morrer antes deles.”

Por causa dessa imagem nem tive coragem de ligar para ela e, impossibilitada de dar-lhe meu abraço por estar em viagem, busquei nas palavras algum remédio que buscasse o entendimento desta tragédia. Pergunto: “O que matou esse jovem de menos de 20 anos? O que lhe roubou o futuro?”. Pelo o que li e vi na TV, a impunidade integra, de novo, o elenco da barbárie.

Não conheço os assassinos de Rafael e nem quero aqui ser leviana, mas sempre vejo uma legião de famílias que não priorizam o amor pelo seu semelhante no conteúdo educacional dos seus filhos. Não é só para bandido que a vida não vale nada. Ela também não vale para o menino que, com o carro que talvez nem possa manter, dá cavalo de pau em um túnel fechado cuja placa de interdição ele não aceita.

Há jovens criados com a perversa ilusão de que tudo podem e que diante de seu poder e dinheiro não existem porta fechada, respeito, lei. Alguém dentro de casa ensinou, através de palavras ou ações, a esses meninos infratores da classe média e da alta, que a vida não vale nada. Isso tem raízes mais profundas e nos leva a questionar como estamos educando nossos filhos.

Por isto e para isso escrevo, para que não fiquem impunes os cúmplices desse crime por atropelamento, para que os pais parem de uma vez por todas de armar seus filhos por fora oferecendo-lhes carrões, cartões de crédito sem limite, conivência e nenhum juízo, e passem a amá-los por dentro mostrando os valores que o dinheiro e o poder não compram, mas que podem salvar uma vida.

Cissa, meu amor, quem me dera essas palavras pudessem restituir o tecido rasgado do seu peito nessa hora. Quisera poder anestesiar o seu sofrer que recordará a partida do seu fruto. Não posso. Só sei que o tempo fará com que, o que hoje é ausência, vire presença luminosa e eterna na sua memória e que você, Raul e seus outros filhos construam com valentia e calma essa sublimação.

Termino essa crônica com os versos de seu poema: “Choram meus filhos pela casa, eu sou a recessiva bússola, a cegonha, a garça, com o único presente na mão: saber que o amor só é amor quando é troca e a troca só tem graça quando é de graça.”

Fonte: A Gazeta

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