sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Os bastidores de TV Cela, programa para ressocialização de detentas

É dia de visita na Cadeia Pública Feminina de Votorantim, cidade que já foi distrito de Sorocaba e fica a 100 km de São Paulo, e a alegria é palpável em cada conversa. Mas, como é habitual no sistema prisional brasileiro, existem mais bocas por aqui do que deveria. Construída para abrigar 48, a cadeia está agora com 172 e já chegou a ter pouco mais de 200 reeducandas – termo utilizado para substituir o estigmatizado “presidiária” e que revela o desejo por ressocialização. Com tantas mulheres juntas, o burburinho não tem fim, nem mesmo quando chega a hora de as visitas irem embora, pois a melancolia das despedidas é logo substituída pela euforia das lembranças. E elas cantam, batem palmas, riem. Mas o dia ainda não acabou e é hora de começar a gravação de mais um programa do TV Cela.

Criado e coordenado voluntariamente pelos jornalistas Werinton Kermes e Luciana Lopez, o TV Cela teve início em setembro de 2009 e é filho direto de um programa de rádio chamado Povo Marcado, realizado no mesmo local entre 2007 e 2008. O estímulo sempre foi muito claro e de mão dupla: os programas servem para desfazer preconceitos da sociedade sobre o universo da carceragem e, ao mesmo tempo, as detentas se descobrem capazes de habilidades até então desconhecidas: afinal, são elas que assinam roteiro, produção, apresentação e câmera.

“A gente não costuma perguntar sobre o passado, mas sabemos que a grande maioria veio parar aqui por tráfico de drogas ou por associação ao tráfico. E quase todas ainda estão esperando, presas, a sentença. Por isso, nossos assuntos giram sempre sobre o futuro”, explica Luciana. E assim elas falam de saúde, cultura, direitos humanos, leis, beleza e trabalho, além de uma entrevista especial por programa, que é veiculado em canais comunitários, como a TV Votorantim, e apoiado pela Associação Cultura Votorantim e pelo Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio.

A “cela-estúdio” é montada rapidamente em um dos corredores da cadeia, enquanto um maquiador faz o seu trabalho na apresentadora Iara de Mello e na cinegrafista Edicleusa Gomes, que, experientes, estão no projeto desde o início. Existe um rodízio entre as integrantes da equipe que faz o TV Cela, um tanto para envolver um número maior de detentas, mas também por causa de ocasionais liberdades e transferências.

“O cotidiano aqui é muito parado, então, quando o projeto apareceu, foi uma maravilha, me deu uma nova esperança”, diz Edicleusa, mãe de três filhas e natural de Itu. “Sabe uma coisa que me impressionou? A repercussão do que a gente faz, lá no blog [projetotvcela.blogspot.com], e em cartas que recebemos. Tem do Brasil inteiro, principalmente depois de um programa que fizeram sobre a gente lá na ESPN”, explica Iara, que era auxiliar de modelista em Tietê e agora pensa em apresentar uma atração para jovens. No momento, e um pouco nervosa, entrevistará o jurista e político Hélio Bicudo, que, antes de começar o programa, pede para conhecer a cadeia de cela em cela.
por Dafne Sampaio
Fonte: Revista Monet

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